Por Eduardo Duarte
Hoje é aniversário de Alceu Valença, um artista muito maior que qualquer adequação necessária aos estereótipos dos gêneros musicais. Sua obra é capaz de absorver não só a universalidade musical como também um apurado lirismo para tratar assuntos variados - da flor ao espinho.
Muito conhecido e, em dada medida, resgatado pelo seu dócil romantismo inerente a músicas de grande repercussão, como Anunciação, La Belle de Jour, Girassol e outras, Alceu tem um traço muito importante, embora menos realçado, que é a sua psicodelia escancaradamente brasileira, temperada pela essência das suas raízes nordestinas.
A fértil década de 70 tem, na janela do seu tempo, o brilho solar da musicalidade "Valenciana" - tão própria que necessita ser um adjetivo de si mesma. Nesse período, sua música atingiu o cume de uma produção que um artista pode ter, com um experimentalismo encharcado de nordeste e antropofagicamente alimentado - por osmose, diga-se de passagem - pelo avassalador Rock and Roll. Tudo muito próprio e muito natural, de tal forma que o invólucro tropicalista da música brasileira foi rompido por algo ainda mais ousado e "inclassificável" na composição e execução de "Vou danado pra Catende", uma canção de Alceu Valença com colagens sobre a poesia de Ascenso Ferreira, que ganhou o Prêmio de Pesquisa no Festival Abertura - categoria de premiação criada especificamente por causa de e para essa canção.
Sua discografia, iniciada com Geraldo Azevedo a partir do "Quadrofônico", de 1972, mostra uma criatividade e uma inquietação que ressoaram em outros grandes discos solos, como Molhado de Suor, Vivo! e Espelho Cristalino. Evidentemente, sempre acompanhado por uma riquíssima turma nordestina, composta por nomes como Zé Ramalho, Lula Côrtes e Paulo Rafael - membro falecido do grupo psicodélico Ave Sangria e eterno parceiro e amigo de Alceu.
Posteriormente, a obra de Alceu foi maturada em polimentos que escolheram o que permaneceria de mais comportado do experimentalismo e de mais belo do chamado pop, mas sempre alicerçado na cultura nordestina, fecundada, por sua vez, pela cultura mourisca.
O que foi feito posterior às aventuras psicodélicas exuberantes de Alceu Valença é um tesouro da Música Popular Brasileira, sem sombra de dúvidas, mas é muito importante realçarmos, também, a genialidade primeva que arquitetou a estrutura de toda a sua obra, num misto de regionalismo, inventividade e psicodelia, que resultaram numa musicalidade ímpar na história da música universal, podendo ser descrita pelos versos dele mesmo: "Eu só acredito em vento que assanha a cabeleira, quebra portas e vidraças e derruba prateleiras".
Viva Alceu Valença!
Eduardo Duarte, ativista cultural e estudante de história. |
Leitura agradável do texto genial produzido por essa mente inquieta e brilhante. Grato, Eduardo Duarte, por suas análises tão profundas e, ao mesmo tempo, acessíveis ao leigo apreciador de música.
ResponderExcluirQuanta informação importante neste texto tecido com muita força poética. Tão bom ser lembrado, com a qualidade da escrita de Eduardo Duarte, deste Alceu mais psicodélico dos tempos iniciais. Maravilha saber que Alceu transita deste o vento que assanha a cabeleira até à bruma leve das paixões que vêm de dentro. Parabéns pelo texto, Eduardo Duarte
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