Nós coagimos o acusado contra quem encontramos uma causa provável a confessar a sua culpa. Para ter certeza, nossos meios são muito mais elegantes; não usamos rodas, parafusos de polegar, botas espanholas para esmagar as suas pernas. Mas como os europeus de séculos atrás, que empregavam essas máquinas, nós fazemos o acusado pagar caro pelo seu direito à garantia constitucional do direito a um julgamento. [...] Há, claro, uma diferença entre ter os seus membros esmagados ou sofrer alguns anos a mais de prisão se você se recusar a confessar, mas a diferença é de grau, não de espécie.
Obviamente, a coação empregada contra o sujeito para que confesse não é física, tampouco adequa-se formalmente ao crime de tortura preconizado na Lei 9.455/1997, ao tratarmos do acordo de não persecução penal. Não é para tanto, por evidente. Mas também não merece desatenção.
Se a prisão-pena não é fator de coação na maioria dos casos submetidos ao acordo de não persecução penal, o mesmo não se sucede no que tange à prisão cautelar. Quase metade dos presos existentes no Brasil são provisórios, reflexo da evidente abusividade na decretação de prisões preventivas no país. Diante desse cenário, o acordante é compelido psicologicamente a confessar para evitar que seja privado de sua liberdade ao longo de um inquérito ou mesmo de um processo.
É o modus operandi da Operação Lava Jato às avessas: lá, prendia-se para que houvesse a confissão dos supostos fatos cometidos, pois dessa maneira o preso tinha a possibilidade de obter novamente a sua liberdade; aqui, no âmbito do acordo de não persecução penal, o acusado confessa para que não seja levado à prisão.
A confissão, como requisito para a celebração do acordo de não persecução penal, representa, assim, uma violação ao direito ao silêncio do acusado, porquanto o sujeito é compelido a autoincriminar-se, não havendo propriamente o exercício da autonomia da vontade para tanto. Confessa-se sob forte coerção de ordem psicológica, consoante demonstrado. A consequência de toda essa pressão psicológica sobre o acusado é a geração de “autoacusações falsas, testemunhos caluniosos por conveniência, obstrucionismos ou prevaricações sobre a defesa, desigualdade de tratamento e insegurança” (LOPES JR; PACZEK, 2019, p. 346).
Como se não bastasse, há uma velada e indevida inversão do ônus da prova, de modo que a confissão do suposto criminoso é utilizada, na realidade fática, como elemento probatório, desincumbindo o Estado de utilizar o seu aparato para colher mais informações sobre o suposto fato delituoso. É muito mais cômodo – e preguiçoso – dividir tal incumbência com a parte maisf raca da relação, a qual, sem saída, confessa fatos não raramente frutos de uma conjectura dos agentes incumbidos da persecução penal.
Por todo o exposto, o acordo pode e deve ser celebrado sem a necessidade da confissão. Sob um viés jurídico, ante a inconstitucionalidade e a inconvencionalidade do requisito em comento. Sob um viés pragmático, para evitar que a Justiça, por vezes cega, por vezes nem tanto, dilacere psicologicamente pessoas inocentes, as quais carregarão a inapagável marca de confessarem algo que jamais cometeram.
👏👏👏
ResponderExcluirExcelente artigo.
ResponderExcluirÓTIMO ARTIGO MATHEUS
ResponderExcluirMUITO SUCESSO